(…)seu rosto deformado e coberto por ataduras evoca, como propõe Didi- Huberman, uma máscara trágica, a envelopar a cabeça ainda viva com uma espécie de mortalha que traz em si a figura de sua própria morte.
Se a máscara, “ por sua aderência, obriga o rosto humano a tornar-se qualquer coisa - — a ‘deslocar-se’ —— como uma simples massa de obscuridade”, no caso de Crépin, mascara e rosto, totalmente aderidos um ao outro, transforma-se na mesma coisa. Ou seja, a face do assassino nada mais faz que atestar a verdade enunciada pelas mascaras, comprovando o risco maior e inelutável para o homem: “ que sua própria natureza’ o faça “ morrer e apodrecer’, ou o reduza a coisa, a coisa informe ( informe precisamente por ser coisa)”
se esse tipo de máscara, por sua aderência perfeita, “envelopa ou incorpora o semelhante, ela termina por devorar ou digerir o rosto, fazendo-o, literalmente desaparecer”. Na medida em que o couro é colocado à face, a máscara se torna uma forma perversa de disfarce pois introduz uma diferença abissal em relação ao semelhante. Leiris a define como “coisa obscura em si, tentadora e misteriosa —— resíduo supremo, enigmático e atraente tal como uma esfinge ou uma sereia.
Para Bataille as máscaras representam a própria “ encarnação do caos”. São formas inorgânicas que se impõem aos rostos, não para ocultá-los, mas para acrescentar-lhes um sentido profundo. Daí seu parentesco com os mostros imaginários, com as esfinges e as sereias citadas por Leiris: na qualidade de artifícios que se acrescentam ao rosto humano para torná-lo inumano, essas representações “ fazem de cada forma noturna um espelho ameaçador do enigma insolúvel que o ser mortal vislumbra diante de si mesmo”. As máscaras presentificam as incansáveis interrogações da humanidade.
O rosto nu, “aberto e comunicativo”, continua Bataille, é a superfície clara que assegura a estabilidade e a ordem entre os homens. Nele inscreve-se a consciência diurna do homo sapiens, que “humaniza o mundo e torna previsíveis as suas formas”. Nesse sentido, retomando uma tópica já apresentada, poderíamos dizer que o rosto nu traduz a face triunfante de Édipo, em contraposição à monstruosidade da esfinge. Isso porque “nada é humano no universo inteligível para além dos rostos nus que são as únicas janelas abertas num caos de aparências estranhas e hostis”. Por essa razão, conclui o autor, “quando o rosto se fecha e se cobre com uma máscara, não há mais estabilidade, nem sol. A máscara comunica a incerteza e a ameaça de mudanças súbitas, imprevisíveis e tão impossíveis de suportar quanto a morte”.
De um lado, temos o excesso, que se evidencia nas máscaras —— não importa se mortuárias ou eróticas, se funerárias ou carnavalescas ——— na qualidade de coisa acrescentada ao corpo humano; de outro, a falta, que se faz notas nas faces mutiladas, na redução das cabeças-trofeus de certas tribos indígena, ou em meras caveiras descarnadas. p.172